Pois bem, o mundo dos hipertextos nos oferece essa possibilidade de interligação, muitas vezes subentendida e encruada nos meandros de um produto, de uma idéia, de um conceito, interligação essa que muda e varia de acordo com cada pessoa.
A rede oferecida por eles, as conexões utilizadas subjetivamente ou não pelo seu autor só desencadeiam mais e mais informações agregadas, mais referências, que se manifestam e atingem diferentes suportes separadamente e todos misturados.
Exemplificando então o que disse acima, sobre a co-relação entre uma música famosa não só no meio sertanejo, como é a "É o amor – Zezé di Camargo e Luciano" e uma das mais conceituadas e reconhecidas escritoras brasileiras de todos os tempos e Maria Bethânia, grande interprete brasileira de fama internacional, partiremos do princípio básico: O que é hipertexto? – porém utilizando os dados acima.
Uma grande escritora, que teve seus romances, contos, poemas, publicados com sucesso e reconhecimento mais que merecido, cujo nome já consagrado é Clarice Lispector, como qualquer bom escritor influenciou a vida de várias pessoas, pessoalmente ou artisticamente. Um dos seus livros mais famosos A hora da Estrela, que conta a história de uma nordestina, cujo o nome é Macabéa que é contada passo a passo por seu autor, o escritor Rodrigo S.M. (um alter-ego de Clarice Lispector), de um modo que os leitores acompanhem o seu processo de criação. À medida que mostra esta alagoana, órfã de pai e mãe, criada por uma tia, desprovida de qualquer encanto, incapaz de comunicar-se com os outros, ele conhece um pouco mais sua própria identidade. A descrição do dia-a-dia de Macabéa na cidade do Rio de Janeiro como datilógrafa, o namoro com Olímpico de Jesus, seu relacionamento com o patrão e com a colega Glória e o encontro final com a cartomante convidam constantemente ao leitor para ver com o autor de que matéria é feita a vida de um ser humano.
Esse livro teve uma releitura, uma visita por outro suporte, baseado nele, o livro, que foi o cinema, essa versão para as telonas no ano de 1985, roteirizado por Suzana Amaral. A mesma história, porém com outra leitura, outro formato, outros pontos de vista, outro tipo de argumentação e apelo, e por que não outro público, porém não deixando nunca, a essência da fonte, de onde as idéias, personagens e enredo, foram tirados, trazidos à luz de um novo mundo, o mundo do cinema, que se passa dentro dos rolos de filmes e não mais nas páginas amareladas de um livro. Mas a congruência de um já relatado hipertexto não pára, muitas vezes, só em um diálogo de dois suportes distintos e isso que é o seu grande exponencial. Essas obras, independentes de idade, formato, suporte, são obras únicas, porém abertas, abertas no sentido de que podem ser revisitadas sempre que houver o interesse. Não digo de forma inspiradora não, apesar dessa ser uma das visitas mais freqüentes e utilizadas à uma obra "pseudo-fechada" - Um compositor que se inspira em um quadro, em um livro, personagem, ou até outra música para compor uma obra, uma letra ou melodia – Mas também aquele que toma posse do trabalho, redecorando, reformulando e agregando ao seu. Como foi o caso de Maria Bethânia, que sempre brinca de festejar os hipertextos, assimilando e misturando a literatura e imagem com a sua música, relembra e co-participa além de outros grandes escritores como Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Fernando Arrabal, Sophia de Mello Breyner, a citada anteriormente, Clarice Lispector à sua obra fazendo assim um passeio entre paginas e notas, diferente, porém, igual ao passeio feito há alguns anos, das páginas do livro para as grande telas do cinema.
Não são mais os trechos incidentais de um livro ou poema em uma música, e sim uma nova forma de se fazer arte, arte que não é separatista ao ponto de distanciar esses suportes, tornando-os isolados, mas sim a arte única como forma de expressão, como forma de sensibilizar um público seleto ou a massa. Caímos então num gênero massista, que é o sertanejo, e já vou fazer o link com o assunto acima. Uma mesma intérprete, no caso, Maria Bethânia que faz menção à Clarice Lispector, se utilizando de versos, faz uma versão de um clássico do cancioneiro popular sertanejo, essa composição de Zezé Di Camargo, “É o Amor”. Juntando dois estilos distintos, porém num mesmo contexto, uma releitura feita que reativou e diversificou o texto para um público mais amplo e diferenciado.
E os hipertextos, como pode parecer, são muito pessoais, são individuais, baseados nos conhecimentos e bagagens próprias do indivíduo. Tenho certeza que, uma outra pessoa, ao ler esse texto, pode associar um ou outro dado citado à uma outra história, à um outro suporte, o que torna o hipertexto algo infinito, pois suas ramificações são extensas e sempre originam uma outra linguagem, um outro contexto, um outro suporte, um outro caminho.
O intuito então, desse texto, não é explorar um só suporte, ou o diálogo feito entre dois suportes apenas. É exemplificar, que um hipertexto se conecta à outro em algum ponto.
No caso de uma adaptação de um livro para o teatro (o que já representa ali um hipertexto), abre caminho pra outro tipo de dialogo, agora não mais entre folhas e palco, mas no palco em si, aonde a cenografia, iluminação, texto, expressão corporal, trilha sonora, dialogam (Um hipertexto dentro de outro).
Pode-se comparar à rede da internet ao nosso cérebro, mas precisamente aos nossos conhecimentos, aos fatos, idéias, e relações que fazemos entre um texto e outro.
E essa rede é única, e acho eu, que por isso, é mais detalhada e complexa do que a rede conhecida como internet.
Quando “linkamos” intelectualmente à algo co-relacionado ao contexto, ativamos nossa memória, relembramos e revisitamos detalhes adormecidos no inconsciente.
O passeio entre música, filme, teatro, livro, a própria internet, artes plásticas, dentre outros, é algo feito desde sempre e que é fonte infinita de possibilidades.
Dentro do hipertexto apresenta-se sempre outros textos, outras releituras, suportadas pelos veículos e suportes divulgadores, que facilitam a nossa pesquisa, o nosso ato de saber, conhecer. Os suportes são ferramentas que nos auxiliam à explorar os nossos hipertextos, a amplificar os mesmos, de forma que sempre há algo novo a conhecer, a descobrir, basta “linkar”, desatar os nós, e logo, atar novos nós e assim sucessivamente.
Então, a partir de uma palavra chave, uma foto, uma música, podemos criar todo um contexto, toda uma história, passear por mundos não conhecidos, seguindo nossa curiosidade, afinidade, vontade, sem amarras, sem limitações, pois o único limite real é o imposto por nós mesmos.
Temos as ferramentas para ampliar horizontes, só nos basta querer e recorrer à elas, usando-as como instrumentos extensores dos nossos hipertextos íntimos, pessoais e dos hipertextos já criados e estudados, mas que podem sem sempre modificados e ampliados.